terça-feira, 1 de maio de 2012

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Negrinho dos Campos




           No Brasil não é raro de se ver as famosas “peladas”, no Rio Grande do Sul não é diferente. Estava então, um grupo de amigos jogando futebol em um campinho de areião. A disputa estava acirrada, mas um negrinho se destacava. Ele corria de um lado ao outro do humilde campo com muita rapidez, conduzia a bola como aqueles famosos jogadores que costumamos ver na televisão, driblava seus adversários sem piedade. O menino realmente tinha talento.  
            Para a sorte do negrinho, ou não, um “olheiro”, chamado Jorge, estava assistindo ao jogo. Surpreso com a habilidade do guri resolveu que o mesmo teria que jogar no seu time. O menino não tinha nome, sempre fora chamado de “Negrinho”. Não tinha pai nem mãe, vivia sozinho. Sua casa era a rua, não tinha muitas coisas, apenas uns trapos que usava para cobrir seu corpo e uma espécie de cobertor. Comia com o dinheiro que conseguia nas sinaleiras, e se não conseguisse, não comia. Jorge, então percebeu que aquele seria um ótimo investimento. Qualquer prato de comida contentaria o guri.

            O homem levou o Negrinho para um alojamento, lhe deu algumas roupas, um par de chuteiras e o uniforme do clube. No início o menino não receberia salário em dinheiro, de acordo com o seu rendimento no time Jorge iria lhe dar alguma “recompensa”. Claro que isso era um acordo feito entre a diretoria do clube e o olheiro. Mesmo assim, o Negrinho parecia estar sonhando, agora tinha uma cama, uma casa, roupas, comida farta, o que mais ele podia querer?


            No alojamento moravam também outros garotos, alguns os pais moravam em outras cidades, outros moravam longe, então era mais cômodo ficar ali. Estes não aprovaram a entrada do menino ao time, estava na metade do campeonato, e Jorge estava cheio de elogios para o guri, logo, ele entraria como titular assim que possível, tirando então a posição de um deles.


            No primeiro treino, Negrinho mostrou como havia encantado o olheiro. Todos ficaram boquiabertos com tamanha habilidade. O técnico e a presidência do clube carregavam sorrisos que iam de uma orelha a outra. Já os “parceiros” de time, não conseguiam esconder a inveja e a raiva que estavam do guri. Eles então, vendo que o Negrinho iria ser uma ameaça aos mesmos, decidiram sabota-lo logo no primeiro jogo que o guri entrasse em campo.


            Semifinal do campeonato, como combinado, os jogadores armaram um plano para impedir o Negrinho de jogar. Trocaram sem que ninguém percebesse as chuteiras do menino, dando-lhe um par muito menor que seu pé. Como era o primeiro jogo, o menino notou que o calçado não estava muito bom, mas achou que seria um abuso se reclamasse para alguém. Decidiu então, que entraria em campo mesmo com os pés doloridos, afinal logo a dor iria passar. Mas, o plano dos jogadores invejosos deu certo. O guri entrou em campo, mas mal conseguia andar. Ele até tentou, mas mal tocou na bola, para decepção de todos, e desespero de Jorge.


Ao fim do jogo, a diretoria do clube foi cobrar com o olheiro o rendimento do guri, até ameaçado de perder o emprego o homem foi. Enfurecido com o que havia acontecido, Jorge foi ao encontro do Negrinho e a sós com ele, espancou-o, sem nem ao menos dar a chance do guri se explicar. Pelo contrário, ainda o ameaçou: “Se repetir o que fez hoje no próximo jogo, eu te espanco até sangrar. E se me fizer perder o emprego, ai sim, eu juro que te mato Negrinho.”


Depois do acontecido, o Negrinho ficou desesperado. Mesmo ele não jogando, o time tinha se classificado para a final do campeonato. Ia ser um jogo difícil e o clube (principalmente o olheiro) iriam cobrar o desempenho do guri. Desta vez, o menino não iria precisar de sabotagem para não entrar em campo. Por ficar tanto tempo usando aquela chuteira apertada no ultimo jogo, seus pés estavam tomados por feridas, praticamente em “carne viva”, e os mesmos não teriam muito tempo para ficarem curados. Além disso, seu corpo todo estava machucado e dolorido por causa da “surra” que tomara. O próximo jogo seria na semana seguinte, e o Negrinho não apenas teria que entrar em campo, ele teria que “brilhar”.

Aquela semana entre o ultimo jogo e a final do campeonato foi de pura tensão, o Negrinho fez de tudo para curar seus pés, mas não havia jeito. Os outros jogadores também só pioravam as coisas. Escondiam os remédios do menino, botavam sal no banheiro quando ele ia tomar banho, fizeram de tudo. E novamente conseguiram prejudicar o Negrinho. Quando chegou no dia da final, os pés do menino continuavam machucados, mas mesmo assim ele estava determinado a entrar em campo.


O técnico, receoso, resolveu deixar o guri no banco de reservas, afinal seu último jogo deixou todos com muitas dúvidas. Já no primeiro tempo 1x0 para o time adversário, ninguém acreditava no que estava acontecendo. Na metade do segundo tempo o outro time aumenta a vantagem 2x0. Não tinham mais esperança, o campeonato estava perdido. De repente o técnico da um grito: “Vem Negrinho, tu vais entrar em campo!” Agora sim, o que ele podia fazer? “Maldita hora que vim jogar nesse time” pensava o guri. Além de ter que jogar com os pés sangrando, teria que jogar sabendo que iria morrer. As palavras de Jorge não saiam da cabeça do Negrinho.

Ele entrou em campo, mal conseguia andar tamanha era sua dor, mas mesmo assim fazia passes para seus companheiros. Erro do time adversário, para sorte de Negrinho, gol contra, 2x1. O guri sabia, que do jeito que estava jogando não ia dar certo, a morte lhe aguardava no vestiário. O menino não queria morrer, logo estava correndo de um lado ao outro do campo, mesmo sentindo os pés sangrando. Aos 44 do segundo tempo, o Negrinho da um passe perfeito e o companheiro faz o gol. Agora estava tudo igual, o menino não sabia se ficava feliz ou mais nervoso ainda. Ele queria acabar logo com aquilo, queria ganhar, ainda tinha muito para viver.
Era 48 do segundo tempo, Negrinho arma o contra-ataque. Carrega a bola até pequena área e sofre pênalti. Agora sim, O coração do menino parecia que iria saltar pela boca, todos gritam o nome do guri. Todos o queriam. O Negrinho tira a chuteira, revelando os pés ensanguentados, se prepara para bater o pênalti. Lembra-se daquele dia que estava jogando bola no areião de pés descalços, como estava naquele momento. Ele estava decidido, queria viver. Ele então olha seus pés ensanguentados, e ora para que a Virgem Maria lhe ajudasse. Chuta em direção ao gol de tal forma que o goleiro apenas olha a bola passar.


O time do Negrinho ganhou o campeonato. Hoje ele é um jogador famoso, devoto da Virgem Maria. Ele também criou uma fundação que incentiva jovens a praticar esportes. Quanto a Jorge, nunca mais se ouviu falar dele.